segunda-feira, 25 de maio de 2020

O manejo das contrariedades na quarentena


(Por Joao David C Mendonça, psicólogo)

Hoje eu quero falar sobre a dificuldade de ouvir um “não”, sobre lidar com limites, sobre frustração na contrariedade e sobre a resistência em seguir regras.

Porém eu não vou falar das crianças nem dos adolescentes, como costumeiramente fazemos quando tratamos destes temas. Hoje, ao contrário, quero falar sobre nós adultos. Porque acho que para nós não está fácil.

De repente um vírus apareceu na nossa vida e nos disse um NÃO, que a gente não deve sair de casa  e que vamos ter que alterar nossa programação, mudar nossos hábitos. E a gente, adulto, se percebe reclamando, fazendo birra, desobedecendo, irritando-se com este grande "não" que veio sobre nós.

E a gente se vê tendo que aceitar os limites que nos são impostos no momento, as saídas que não podem acontecer, as festas não marcadas, os almoços de família cancelados. E a gente, adulto, diante de tantos limites, tenta dar um jeito de desrespeitá-los, de driblá-los, entra num estado de teimosia, pois nós estamos com dificuldades de lidar com os limites que este instante nos colocou.

Aí de repente a gente se vê tendo que suportar sentimentos de frustração. A frustração do cancelamento daquela viagem que a gente tanto sonhou, a academia fechada, o show que a gente já estava até com os ingressos comprados, os amigos que não podemos encontrar presencialmente. E a gente se deprime, fica mal, entra em parafuso, porque na nossa vida adulta nós esquecemos de que nem sempre as coisas são como a gente gostaria que fosse, e nem sempre a nossa vontade pode vir em primeiro lugar. “Não posso viver sem minha academia”, “não consigo viver sem ir ao shopping”, “não me imagino vivendo sem ir a praia”, é o que dizemos. E nos desesperamos, como se fôssemos viver sem academia, shopping e praia pelo resto de nossas vidas, e não durante um período específico.

Aí de repente a gente precisa entender que sim, pode acontecer da gente ficar doente, morrer, ou perder alguém querido. Que isto não acontece só com os outros, como a gente geralmente ouve dos adolescentes quando lhes damos os nossos conselhos sobre não correr de carro, sobre não beber em demasia, sobre os riscos de não estudar e acabar reprovando na escola. E eles nos dizem, cheios das certezas, "deixa de ser exagerado, isso não vai acontecer, pode deixar, eu sei o que eu tô fazendo, fica frio, eu sei me cuidar!".

E a gente escuta as recomendações da OMS, lê as palavras dos cientistas, mas assim como os adolescentes, a gente acha que tudo é um exagero e "coisa da mídia", nega a realidade, prefere não ver, dá crédito a teorias conspiratórias para continuar acreditando que tudo é um exagero, e que conosco nada acontecerá.

E aí de repente a gente se pega tendo que exercitar algo muito difícil nos tempos instantâneos de hoje:  ESPERAR. Ter paciência, viver um dia de cada vez, suportar a espera. Nos vemos diante do desafio de aceitar a privação como uma experiência de maturidade, de rejeitar nossa tendência ao imediatismo, à pressa em resolver uma situação que demanda muita paciência e espera. Como uma criança que não sabe esperar, que ainda não desenvolveu sua compreensão do tempo, que ainda não entendeu que as coisas não acontecem num passe de mágica, assim  também nós adultos reagimos negativamente diante da necessidade de esperar a pandemia passar, de aguardar a curva estatística achatar, e saímos da quarentena precipitadamente, porque desaprendemos a esperar.

Hoje eu estou falando sobre limites, sobre nãos, sobre regras e frustrações. Mas não falo sobre crianças ou adolescentes. Falo sobre mim, sobre adultos como eu, e sobre como esta pandemia está nos convidando, como adultos que somos, a um desafio de crescimento pessoal, a um compromisso com a maturidade, a nos tornarmos responsáveis por nossas próprias escolhas, a exercitarmos a virtude da paciência, a buscarmos uma estabilidade emocional que nos dê alguma dose de serenidade, a aprimorarmos a capacidade de nos adaptarmos às condições adversas, a aprendermos a conviver com nossas limitações e frustrações.

Não está fácil para nós adultos, assim como também não é fácil para as crianças e adolescentes. Mas se eles crescem, nós também podemos crescer. Ao invés de reagir aos "nãos" com as respostas automáticas e habituais, e que geralmente são geradoras de ansiedade e impaciência, podemos decidir por buscar iniciativas que nos levem a criar realidades novas e diferentes.

Compreender as razões pelas quais agimos de certa maneira quando nos deparamos com limites e contrariedades nos ajudará no crescimento pessoal em direção a mudanças significativas e a um grau aumentado de maturidade.

Um manejo mais maduro em relação aos contratempos da vida poderá nos ajudar a enfrentar esta pandemia, e quem sabe sairemos dela sentindo-nos mais capacitados a encontrar outras possibilidades e outros modos de viver a vida e de encarar as adversidades.

A capacidade de mudar e desenvolver-se é inerente ao ser humano. Está presente em mim, está presente em você. É uma boa hora para apropriarmo-nos dela.