quarta-feira, 23 de março de 2011

Casey Heynes: solução para o Bullying?


Quero usar o post de hoje para conversar sobre o caso do garoto - Casey Heynes - que revidou um ato de bullying  numa escola na Austrália e se tornou "herói" na internet.

A agressão foi uma forma de defesa, uma explosão de um menino que provavelmente não aguentava mais a humilhação e desrespeito. Sob este ponto de vista, a atitude de Casey é compreensível e até mesmo justificável.

O risco é ela tornar-se protótipo para a solução do bullying, o que perigosamente reduz a complexidade que envolve o tema.

Uma rápida leitura nos comentários do video nos dá uma noção de como a esmagadora maioria apoiou a agressão de Casey. "Herói", "ídolo", "exemplo para acabar com o bullying", são algumas das opiniões que lemos nestes comentários.

Nenhuma surpresa, se considerarmos tais opiniões como um reflexo de uma sociedade na qual somos todos estimulados a pensar na agressão como um meio de solução de problemas. E muitas vezes como uma única opção.

Entretanto, permitam-me sugerir que façamos um exercício de imaginação: Se o caso do Casey não tivesse sido gravado nem caído na web, o que teria acontecido com o menino no dia seguinte? Que tipo de desdobramentos poderíamos imaginar para este episódio, caso ele não viesse à tona?

Uma opção talvez seria: o autor do bullying aprendeu a lição e não vai mais repetir o ato, enquanto o menino vítima seguirá sua vida agora livre de qualquer ato de bullying.

Pode até ser uma possibilidade, mas confesso que tenho dúvidas sobre ela.

Fico mais propenso a acreditar - ou imaginar - que o desdobramento mais natural para este caso seria mais ou menos o seguinte: amigos do Richard (o menino que apanhou) se reuniriam e se vingariam de Casey, com mais violência. Casey teria duas opções: voltar a sujeitar-se ao bullying ou intensificar mais ainda a resposta de revide, tendo que aumentar o grau de violência para se fazer respeitado. E consequentemente, mais agressão como resposta e mais violência como contra-resposta, numa retro-alimentação interminável de violência e agressão.

Mas o vídeo caiu na rede mundial. E aqui está, para mim, a diferença neste caso.

Não será a agressão por si só que fará cessar o bullying na vida de Casey, mas o rompimento do silêncio que envolvia o caso. O que alimenta o bullying não é apenas a ausência de revide, mas principalmente o silêncio imposto pelo sistema no qual a vítima está envolvida, e esse silêncio é o que possibilita a perpetuação e manutenção do bullying sobre a criança ou adolescente.

Com a propagação do vídeo, o caso veio à público, e com isso a rede de testemunhas até então restrita às paredes da escola foi significativamente ampliada. Essa ampliação da rede de testemunhas quebrou o tripé que sustenta o bullying: um alvo, um autor (ou autores) e um grupo de espectadores (apoiadores, que nem sempre praticam diretamente mas tornam-se coniventes pelas risadas, pelo apoio indireto ou até mesmo pelo silêncio vindo do medo de denunciar o ato).

No caso de Casey, a internet - e a propagação viral do video - expôs de tal modo a situação que acabou servindo como um fator de proteção ao garoto contra algum tipo de revide/vingança ao qual ele pudesse ser submetido dias após o ocorrido.

Porém, todos sabemos que não é isso que acontece com as inúmeras crianças e adolescentes que sofrem de bullying por aí afora. Eles não terão vídeo no youtube, não terão a mesma repercussão midiática, não contarão com apoio de uma comunidade mundial.

Então não nos iludamos. Encarar o revide de Casey como solução para o bullying é desconsiderar o caráter perpetuador da violência, é desconsiderar o fato de que a violência inevitavelmente clamará por mais violência.

Bullying se alimenta de violência. Responder a ele com violência só irá fortalecê-lo ainda mais.

Então o que explica essa reação ao vídeo do garoto? Eu tenho uma hipótese: o menino fez o que muita gente já teve vontade de fazer com algum "mala" que o incomoda. Ele, sem saber, em seu ato de fúria, tornou-se porta-voz de um número incontável de pessoas que já passaram - ou passam - por algum tipo de humilhação ou desrespeito. Trata-se talvez de uma "catarse coletiva virtual", em que o indivíduo se sente representado por Casey em uma fantasia de vingança por alguma história de sua própria vida.

Portanto, não vejo o ato de Casey, ao contrário do que muitos possam acreditar, como sendo a solução para o grave problema do bullying. Ao contrário, vejo nesta "solução" um forte equívoco, e uma tentativa ilusória de encontrar um resposta simples para um fenômeno de grande complexidade.

Sei que buscar a opção da não violência num país que idolatra o Capitão Nascimento será motivo de muita crítica, mas não consigo - e nem pretendo - pensar diferente disso.


Mais algumas pequenas reflexões sobre Bullying:

Qual o papel da Escola?

Identificar com mais propriedade atos de Bullying que ocorrem em seus domínios. E, mais difícil ainda, admitir que eles ocorrem e tomar providencias no sentido de cessar tais atos. Isto requer da escola uma postura de promoção de diálogo aberto entre alunos, pais e educadores.

O que os pais podem fazer para prevenir?

Aprender a reconhecer nos filhos sinais de que eles estão passando por alguma dificuldade resultante de bullying (o garoto Casey chegou a ter ideação suicida). 

Assumir uma postura de interesse nas atividade escolares dos filhos. Atividade escolar não é só nota de prova; é também conhecer o que eles fazem lá, do que gostam, do que não gostam, como são suas amizades, de que maneira eles se relacionam com os colegas, o que eles fazem na hora do intervalo, quais são seus amigos mais chegados etc. 

Também considero importante que os pais busquem relacionar-se com os pais dos colegas dos filhos, formando uma rede que pode ser benéfica para uma rápida detecção de algum problema que porventura venha a surgir. 

Mudanças de comportamento do filho, desânimos para ir à escola, vestígios de isolamento social ou insatisfação constante, todos estes aspectos podem ser alguma sinalização de que algo está errado, e os pais têm o desafio de estar atentos à isto. 

Outro ponto importante é o efetivo contato dos pais com os professores e educadores. Tem reunião dos pais na escola? encontro com orientadora pedagógica? prioridade zero!

Uma última palavra

Não podemos nos esquecer de que os autores de bullying também são crianças e jovens que necessitam de muita atenção, pois o próprio ato covarde do bullying já nos impõe a suspeita de que esta criança também precisa de ajuda. São na maioria das vezes crianças extremanente inseguras, que vivem uma necessidade de reconhecimento social, de tornarem-se os "populares" da escola. Sua força e comando são apenas uma maneira desesperada de ocultar sua profunda fragilidade. Não é a toa que se transformam em agressores.

Sugestão de leitura:
Bullying e desrespeito: como acabar com essa cultura na escola. 
Autores: Marie-Nathalie Beaudoin e Maureen Taylor.
Editora Artmed, 2006

Bullying na Adolescência. (Cap. 7 do livro "Adolescentes: o desafio de entender e conviver")
Autora: Denise Franco Duque
Editora Insular, 2011


Entrevista com Casey Heynes, o menino alvo e bullying



Entrevista com Richard, considerado autor do bullying


9 comentários:

Anônimo disse...

Olá João David! Parabéns pelo Post. Como você discorreu, o caso Heynes tornou-se um viral na internet, e houve sentimento de orgulho pela maioria daqueles que assistiram o vídeo. O próprio vídeo que inserisse no post, ao final, diz "Zangief Kid" (tenho 25 anos, confesso que dei risada pois Zangief era um lutador do Street Fighter, jogo de luta que fez sucesso com o finado Super Nintendo no início dos anos 90, e o golpe aplicado pelo Heynes no garoto é muito parecido com um golpe que o Zangief aplicava no jogo), fazendo que o vídeo parecesse cômico se não fosse 'trágico'.
Aproveito para fazer outro comentário acerca deste sentimento que tomou conta da população mundial, de justiça; vingança. Certa vez, vi uma pesquisa na Revista Mente & Cérebro, não me recordo qual edição, na qual crianças foram expostas à diversos estímulos que colocavam à prova a justiça social. As crianças que foram expostas ao estímulo injusto ficaram aversivas aos mesmos estímulos, posteriormente, como uma forma de se afastarem destes. Ao que parece, esta vontade "insaciável" de justiça parece acompanhar o ser humano do berço (se perdendo no meio do caminho, para algumas pessoas).

Penso que o ponto crucial do post foi a notoriedade que o vídeo tomou e as consequências que o mesmo pode trazer nos mesmos casos anônimos de bullying. Espero, sinceramente, que este vídeo "sirva" positivamente para que os pais e a escola prestem mais atenção nas relações entre os seus filhos/alunos, pois geralmente é o espaço onde o bullying ocorre.
Forte, abraço, Tiago.

Naiane disse...

Está corretíssimo João, que bom que você dedicou esse espaço para essa imprescindível reflexão!

Juliana Piovanotti disse...

Oi João, sou psicóloga e trabalho no Brasil com uma Instituição Internacional de Prevenção à violência. O seu post está muito pertinente e correto. Tenho recebido muitos comentários a respeito deste caso e também me preocupo com os rumos desse "exemplo".
Se vc puder, dá uma olhada no nosso trabalho, faremos um curso de capacitação gratuita em prevenção ao bullying em parceria com o Ministério Público de Santa Catarina no próximo dia 28/03 em Fpolis e 30/03 em Chapecó.

Parabéns pelo blog e pelo post.
Abraços,
Juliana Piovanotti

www.kidpowerbrasil.org
www.kidpower.org

jd disse...

Amigos, obrigado pelos comentários. Juliana, muito obrigado pela informação e parabéns pela iniciativa do curso de capacitação.
Espero que continuem passando por aqui.

Anônimo disse...

João Davi
Fiquei encantada com o seu artigo, de muito bom senso numa semana em que nos vimos levados pela emoção e pela irracionalidade.
Sou psicóloga, trabalhei mais de 20 anos como Orientadora Educacional e hoje estou na luta contra o bullying, através do meu site www.bullyingnaoebrincadeira.com.br

Fico preocupada com o que vai acontecer a estes dois meninos. A notoriedade súbita certamente terá um enorme impacto na vida deles.

Torço para que a divulgação deste vídeo e todos os seus desdobramentos na imprensa nacional e internacional sirvam para acordar a comunidade como um todo e, principalmente, as escolas!

Gostaria da sua permissão para colocar o link do seu artigo no meu site.

Um forte abraço

Valeria Rezende da Silva
www.bullyingnaoebrincadeira.com.br

jd disse...

Prezada Valéria
Muito obrigado por sua visita aqui no blog. Fico feliz por minha reflexão estar em conexão com o pensamento de outros colegas educadores como você. Com muita honra de minha parte, você tem autorização para usar o artigo ou link da maneira como considerar melhor.
Grande abraço e se puder, volte sempre por aqui!

Luciana Boeing disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luciana Boeing disse...

Oi João David, gostei muito de suas colocações sobre o bullying e o caso do garoto Casey Heynes. Você toca em pontos importantes ao propor a reflexão do caso sobre outro ponto de vista, saindo do senso comum. Mais atual o tema impossível, parabéns. Também sou psicóloga e escrevo com outros profissionais em um blog "parecido com o seu". Recentemente toquei no assunto bullyng ao me posicionar sobre o crime da última quinta na escola carioca - dá uma passada lá e dê sua opinião! Abraços, vou seguir seu blog.

jd disse...

Oi Luciana, que bom que você gostou deste espaço. Vou passar lá no blog de vocês também para conhecer. Grande abraço!