terça-feira, 9 de agosto de 2011

Amy Winehouse e a Cultura da Autodestruição

[Texto meu que está sendo publicado na edição de agosto da Revista Estação Aeroporto]




Aqui vai mais um texto falando sobre Amy Winehouse - e talvez você diga não, não, não!

Entendo sua possível aflição, mas espere um pouquinho. Afinal, pelo misto de surpresa e previsibilidade que cerca a morte de Amy, seria mesmo de se esperar que o assunto não morresse em poucos dias.

Aos 27 anos, Amy era uma artista com grande talento musical, apesar de seu pouco tempo de vida artística. Apenas dois álbuns, um terceiro quase pronto, mas uma promessa de amadurecimento e continuidade de sua obra. Promessa, não fosse o seu outro “talento”, o de autodestruir-se. Dois talentos tão antagônicos presentes numa só vida: talento criativo e “talento” autodestrutivo.

Mas vamos um pouco mais além. Talvez nem seja tão antagônico assim. Talvez a convivência destes dois talentos seja fruto de uma sociedade que vê a droga como fonte de criatividade e inspiração, e de uma cultura que valoriza o comportamento destrutivo como símbolo de rebeldia e irreverência.

Assim, a indústria do entretenimento vai criando seus ícones, transformando-os em heróis - nossos heróis morreram de overdose, lembram disso? -, e mais curioso ainda, fazendo deles referências e modelos a ser seguidos ou idolatrados.

Se criação e autodestruição formam um par, a aliança que os une é o abuso de substâncias, expressão que sempre me soou emblemática e contraditória. Afinal, a pessoa começa abusando das substâncias, mas em pouco tempo, as substâncias é que passam a abusar da pessoa.


Foi assim com muitos talentos, é assim com milhões de desconhecidos diariamente, e não foi diferente com Amy Winehouse. As substâncias assumiram o controle de sua vida, a ponto de impedir que o próprio talento criativo tivesse mais espaço. Pois, ironicamente, a bebida e as drogas que no início a faziam subir ao palco, foram exatamente as que a expulsaram pateticamente de lá, sob vaias do público, que muitas vezes alimenta a ilusão de que o abuso das drogas fica restrito a um território privado da vida, sem conseqüências mais amplas.

A autodestruição pela via das drogas não necessariamente é apenas uma escolha, como alguns tentam argumentar. Ela pode estar associada a alguma doença, uma depressão, um transtorno psicológico, ou alguma situação de crise difícil de lidar.

Mesmo quando pensamos na drogadição como uma escolha pessoal, ainda assim tal liberdade de escolha é duvidosa, pois a partir de um determinado momento, o usuário já não se encontra mais em condições de escolher, mas apenas de obedecer às escolhas da própria droga.


Visto desta maneira, relacionar-se com as drogas é como – perdoem-me a obviedade - brincar à beira de um precipício, ou como um jogo nos moldes de uma roleta russa, de onde só sai vivo quem tem sorte.

Felizmente, alguns têm essa sorte, como o guitarrista e compositor Eric Clapton. Sua experiência compartilhada no seu livro autobiográfico (Clapton, a Autobiografia - Editora Planeta, 2007) é um exemplo de superação diante da luta contra a dependência:

“Certo dia, quando minha internação estava chegando ao fim, o pânico me atingiu, e percebi que de fato nada havia mudado em mim, e eu estava voltando ao mundo mais uma vez completamente desprotegido. O ruído em minha mente era ensurdecedor, e a bebida estava em meus pensamentos o tempo todo. Fiquei chocado ao perceber que estava em um centro de tratamento, um ambiente supostamente seguro, e estava em sério perigo.
Naquele momento, quase que por si mesmas, minhas pernas cederam, e caí de joelhos. Na privacidade de meu quarto, implorei por socorro. Eu não atinava com quem estava falando, sabia apenas que havia chegado ao meu limite, não me restava mais nada para lutar. Então lembrei do que tinha ouvido falar sobre rendição, algo que pensei que jamais conseguiria fazer, que meu orgulho simplesmente não permitiria, mas entendi que sozinho eu não teria sucesso, por isso pedi socorro e, caindo de joelhos, me rendi.
Em poucos dias percebi que havia acontecido alguma coisa comigo. Um ateísta provavelmente diria que foi apenas uma mudança de atitude, e em certa medida é verdade, mas foi muito mais que isso. Encontrei um lugar a que recorrer, um lugar que sempre soube que estava ali, mas em que nunca realmente quis ou precisei acreditar. Daquele dia até hoje, jamais deixei de rezar de manhã, de joelhos, pedindo ajuda, e à noite para expressar gratidão por minha vida e, acima de tudo, por minha sobriedade. Prefiro me ajoelhar porque sinto que preciso ser humilde quando rezo e, com meu ego, isso é o máximo que posso fazer.
Se você está perguntando por que faço tudo isso, vou dizer: porque funciona, simples assim. Em todo esse tempo em que estou sóbrio, nenhuma única vez pensei seriamente em tomar um drinque ou usar alguma droga. Não tenho problema com religião e cresci com uma forte curiosidade sobre modelos espirituais, mas minha busca afastou-me da igreja e da veneração em grupo rumo a uma jornada interior. Antes de minha recuperação ter início, encontrei meu Deus na música e nas artes, com escritores como Herman Hesse, e músicos como Muddy Waters, Howlin' Wolf e Little Walter. De algum jeito, de alguma forma, meu Deus sempre esteve ali, mas agora eu havia aprendido a falar com ele.” (p. 281)

O destino de Amy Winehouse não seguiu no mesmo rumo. As substâncias abusivas a derrotaram. De sua história, ficam o talento, a criatividade, a fragilidade, e a sua última mensagem, escrita com a própria vida: “drogas matam”.


3 comentários:

Anônimo disse...

Acho que algumas drogas matam, assim como tantas outras substâncias presentes em nosso cotidiano. Gostaria, se me permite, dizer que o que a matou remete a sua educação, relacionamentos e escolhas feitas durante sua vida.

O autor ainda soa bastante simplório ao fechar seu artigo com a famosa frase, estilo explica-tudo "drogas matam". Seriam estas as drogas ilegais? Caso sim, todas elas? As drogas legais estão aí, matando muito e gerando lucros astronômicos. Muitas inclusive com lindas propagandas na TV em horário nobre.

O que faremos então? Vamos proibir todas as drogas, tornando a violência decorrente do mercado negro e substâncias ilícitas ainda maior? Note que não estou fazendo diferenciação nenhuma entre o álcool, pior das drogas e a mais aceita socialmente.

As pessoas tem que aprender a conviver com as drogas e a fazerem suas escolhas de maneira consciente. Uso abusivo de qualquer coisa, mata. Umas mais rápida, outras mais devagar.

Educação e conscientização, é a melhor arma contra a morte por abuso de substâncias, sejam legais ou ilegais.

jd disse...

Olá, Anônimo. Obrigado por suas observações. Fique à vontade para passar por aqui outras vezes. Abraços

Anônimo disse...

JD, parabéns pelo que você escreveu. Não achei o final do texto nada simplório, e pelo que lhe conheço, foi a sua pitada de ironia que lhe é tão peculiar. Abraços do seu colega (vou manter meu anonimato também kkk)