segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Sem você, meu amor, eu ainda sou alguém

Se algum dia me pedirem para escrever sobre casamento, vou dizer que ele se divide em dois tipos: o exclusivo e o inclusivo.

O casamento exclusivo, de modo geral, começa com uma sensação muito boa. Corpo e mente celebram a presença do amor com manifestações físicas e psicológicas. As sensações que o amor provoca são reconhecidas - e desejadas - por muitos de nós.

Porém, o casamento exclusivo se aproveita desta condição e leva os cônjuges a acreditar que precisam ser a razão da existência um do outro. Fonte exclusiva de prazer mútuo.

O casamento exclusivo privilegia a relação conjugal em detrimento de outras formas de relacionamento, como a amizade, o coleguismo, o parentesco, ou a vizinhança, exigindo status de exclusividade relacional, em que um parceiro precisa ser “tudo para o outro”. Isto requer, logicamente, parceiros que olhem somente um para o outro, que esperem encontrar um no outro a totalidade que necessitam, para que dela retirem os fundamentos para a existência conjunta.

O casamento exclusivo é o mais facilmente encontrado por aí. Você o encontra nas artes, na poesia, nas novelas, nos romances, nas peças publicitárias, na música. Como por exemplo, na belíssima canção Samba em Prelúdio, composta por Baden Powell e Vinícius de Moraes.

Eu sem você não tenho porquê / porque sem você não sei nem chorar
Sou chama sem luz / jardim sem luar / luar sem amor / amor sem se dar
Eu sem você / sou só desamor / um barco sem mar / um campo sem flor
Tristeza que vai / tristeza que vem / Sem você meu amor eu não sou ninguém

Sem a pessoa amada, o poeta não é ninguém. Nada mais tem valor. Poeticamente falando, é uma idéia linda. Mas experimente transportá-la para sua vida conjugal. É problema na certa. Afinal, você não será tudo para o outro o tempo inteiro, e vice-versa. O casamento exclusivo impõe um peso que fica muito difícil para qualquer relação suportar.

O casamento inclusivo, por sua vez, só se encontra nos casais amadurecidos pela experiência da conjugalidade. O casamento inclusivo compreende que embora haja muitas coisas que só podem ser alcançadas dentro do casamento, há também muitas outras que podem ser alcançadas fora dele. O casamento inclusivo reconhece a conjugalidade como espaço de desenvolvimento das identidades de cada parceiro. Nele, as imperfeições fazem parte do processo, e as conexões não se dão apenas nos momentos bons.

Libertos da expectativa de ser tudo para o outro, podemos desfrutar, embora não o tempo todo, a agradável sensação de ser uma luz na chama de outra vida, um luar no jardim de outra pessoa. Aí sim podemos ouvir, abraçadinhos, Vinícius de Moraes.

João David C. Mendonça

[Publicado na coluna de setembro da Revista Estação Aeroporto]

5 comentários:

Blog da Menina disse...

Lindo texto...

jd disse...

Valeu! E obrigado pela visita. Seja sempre bem vinda por aqui...

Anônimo disse...

Parabéns pelo texto!
Simples e claro, consegue deixar claro e bem exemplificado os tipos de casamentos e como casa casal encara e constrói relações.

Elisane Bender Borges disse...

Adorei. Abraço

Silvani Pádua disse...

Muito bacana o texto!!!

Compartilhado!!!