sexta-feira, 24 de junho de 2011

Drogas e gravatas

por Contardo Calligaris - Folha de São Paulo

NA TERÇA, 14 de junho, a Folha publicou, na Primeira Página, as imagens de um homem de paletó e gravata que comprava e fumava um cachimbo de crack, numa rua do centro de São Paulo.

No último domingo, Suzana Singer, ombudsman do jornal, em sua coluna, perguntou: "Por que a Folha decidiu expor dessa forma um suposto viciado?". A Secretaria de Redação respondeu: "A política do jornal vinha sendo não resguardar a identidade dos usuários de crack em locais públicos. Não vimos motivo para alterarmos o padrão porque a personagem, desta vez, vestia paletó e gravata".

Em suma, a reportagem queria mostrar que "o fenômeno do crack não se confunde com a pobreza e não atinge apenas moradores de rua". A reportagem notava, aliás, que, entre os "usuários eventuais, que vão à região para fumar uma pedra", há até "senhores com cerca de 60 anos vestindo terno".

De repente, dei-me conta de que, ao longo dos anos, vi dezenas de fotografias de drogados errando pela cracolândia, mostrados sem disfarce, mas não tenho memória de seus rostos. É como se eles não fossem indivíduos -apenas genéricos "noias", como eles são chamados pelas ideias paranoicas que os acometem. No entanto, o engravatado da foto de terça-feira era diferente: ele era reconhecível, singular -talvez porque sua aparência deixava supor que ele não tivesse se transformado (ainda?) num noia.

O crack é hoje o protótipo da droga que leva rapidamente à perdição. Será que a foto do engravatado mostra que existem usuários de crack que não se tornam noias? Será que é possível um uso lúdico do crack?

Não sei dizer, mas, ao ler as memórias de Bill Clegg, "Retrato de um Viciado Quando Jovem" (Cia. das Letras), qualquer leitor pode sentir quase na pele a prepotência com a qual a fissura se instala ao centro da vida de um usuário de crack, por mais engravatado que seja.

O texto é comovedor, pela ingenuidade do viciado e de nós, leitores, que, como o viciado, inevitavelmente, a cada vez, acreditamos que ele voltará à sua vida depois de só mais um cachimbo. Comovedor e também exasperante: como é que o cara não consegue se controlar e conciliar sua vida amorosa e profissional com uma tragada de vez em quando? "Segura tua onda, rapaz", a gente fica a fim de gritar.

Trivialidade: a virulência da fissura, assim como a natureza da dependência, é diferente para cada droga. Engravatado à parte, o crack transforma quase imediatamente seus consumidores em adictos, enquanto há pessoas que, durante a vida toda, fumam só um cigarro ou um baseado por semana.

Outra trivialidade: talvez tão importante quanto as qualidades específicas de cada droga seja o fato de que, por alguma diferença de personalidade e disposição, há usuários que se perdem na toxicomania e outros que parecem nunca correr esse risco.

A clínica com adolescentes me ensinou isto: em geral, quem se vicia não é tanto quem acha sua vida dolorosa ou injusta, mas quem a acha chata, ou seja, quem não consegue se interessar por sua própria vida.

É possível se drogar porque a vida já é uma festa, e, quem sabe, com mais uma bola, ela se torne mais alegre. Essa conduta é sempre menos nociva da que consiste em drogar-se pela incapacidade de achar graça na vida que se tem. Quem se droga porque acha a vida chata tende a trocar a vida pela droga.

Nos últimos dias, fala-se muito da descriminalização da maconha. Estreou "Quebrando o Tabu", de Fernando Grostein; houve a intervenção de Fernando Henrique Cardoso (que é, aliás, âncora do filme de Grostein), e houve a liberação das marchas da maconha pelo STF.

Vários leitores pediram que expressasse minha opinião. Aqui vai: concordo com o projeto de descriminalizar o consumo de maconha, mas discordo de quem afirma que qualquer uso de maconha seria inócuo. Nos adolescentes, por exemplo, um consumo diário e intenso (solitário, já de manhã) é frequentemente o sinal de uma depressão que é MUITO difícil vencer, uma vez que ela se instala.

Entendo que alguém, mofando num tédio mortal (e inexplicado), chegue à conclusão de que a vida sem maconha é uma droga. Mas, infelizmente, em regra, a droga aprofunda o vazio que ela é chamada a compensar ou corrigir. Ou seja, talvez a vida sem maconha seja uma droga, mas a maconha sem vida também é.

ccalligari@uol.com.br
@ccalligaris

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Confiança na relação

Semana passada tive a honra de participar, junto com a psicóloga Luciane Altenburg, do programa Falando SC, dirigido pela jornalista Naia Coral. O assunto: ciúme e confiança na relação. Para quem não viu e tem interesse no assunto, aqui vai a íntegra do programa, dividido em quatro partes.






quarta-feira, 15 de junho de 2011

Rumos

‎Muitas vezes é preciso seguir diversas estradas para descobrir para onde se está indo. O importante é continuar em frente. Ou parar na beira da estrada de vez em quando e construir uma casa.

Bob Dylan
[Extraído do livro No Direction Home, de Robert Shelton, Editora Larousse]

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Fantasias de proteção...

Um dos grandes problemas da vida é entrar em relacionamentos com a fantasia de ser protegido ou cuidado. Esperar que um namorado a proteja da necessidade de ser uma pessoa real é um risco. Se ele fracassa, você fica amargamente desapontada. Pior ainda se ele consegue: você não é ninguém.
(CARL WHITAKER)



quinta-feira, 9 de junho de 2011

O paradoxo da paixão

"O que visamos ao nos apaixonar constitui um estranho paradoxo. O paradoxo baseia-se no fato de que, quando nos apaixonamos, estamos procurando reencontrar todas ou algumas pessoas a quem estivemos apegados quando crianças. Por outro lado, pedimos à pessoa amada para corrigir todas as injustiças que nossos pais ou irmãos cometeram conosco. Então esse amor contém simultaneamente a tentativa de voltar ao passado e a tentativa de livrar-se dele". 
(Atribuído a Woody Allen)