sexta-feira, 21 de abril de 2017

13 pontos sobre o desafio da baleia azul

1° ponto
Tudo começou com uma notícia falsa veiculada no ano passado, mas que em tempos de internet, foi ganhando novas versões até se transformar em verdade. No Brasil, o assunto estourou nas redes sociais nas últimas semanas. O que era uma notícia fake passou a “inspirar” pessoas mal intencionadas e acabou virando um “jogo” cuja fama rapidamente se alastrou, mesmo sem se saber a sua dimensão de veracidade.

2° ponto
Quando um fenômeno como esse “cai na rede”, já não se sabe mais o que é real ou o que é invenção, pois a histeria generalizada tomou conta da situação.

3° ponto
A Imprensa adora disseminar pânicos. Sensacionalismo dá ibope. E no mundo de hoje ela ganhou uma aliada: as Redes Sociais – um espaço onde uma grande porcentagem de informações são frutos de boatarias, mas que são repassadas freneticamente, sem checagem e sem conferência da veracidade dos fatos.

4° ponto
A grande maioria das notícias em relação ao jogo não passa de boatos. Os boatos se alimentam da boa vontade e da ingenuidade das pessoas que querem ajudar. E é claro que isso também gera desinformação. Não há jogo nenhum a ser instalado. Não há pessoas dando balas envenenadas em escolas. Tudo boato. Basta alguns segundos de busca na web para saber disso.

5° ponto
Compartilhar esse tipo de conteúdo sensacionalista só amplifica o problema, e acaba até mesmo servindo de combustível para que o tema continue vivo, inclusive incitando a curiosidade adolescente sobre o assunto, o que os torna vulneráveis a situações de risco. Portanto, não repassar informações e notícias sensacionalistas pode ajudar a interromper a disseminação do pânico.

6° ponto
Mas para além da agitação midiática, e do grau de exatidão – ou não - das notícias, há um tema relevante a se tratar aqui: o suicídio é uma triste realidade que afeta famílias em todo o mundo. Muito antes do desafio da baleia. A taxa de suicídio na população de jovens e adolescentes infelizmente vem crescendo a cada ano no Brasil. 

7° ponto
90% dos casos de suicídio estão ligados a casos severos de transtornos psiquiátricos como depressão, drogadição ou esquizofrenia, que muitas vezes impedem o indivíduo de exercitar sua capacidade de ponderação sobre a própria vida.

8° ponto
Cuidado com respostas fáceis e simplistas que não ajudam em nada. Alguns entram numas de culpar os pais, com o discurso de que falta amor e cuidado, ou que faltam limites ou até mesmo “chineladas”. Não é tão simples assim. Atendo muitas famílias cujos pais são amorosos, presentes e cuidadosos, e sofrem por sentir seus filhos silenciosos e distantes neste momento da adolescência.

9° ponto
Um adolescente não se mata porque alguém lhe deu um comando num “jogo”, a não ser que já haja um transtorno mental não tratado, ou até mesmo um momento crítico de desorganização emocional que gera ideações suicidas e riscos de atos autodestrutivos que o coloca em situação de vulnerabilidade psicológica. Ambas as situações de transtornos ou crises podem ser tratadas ou até mesmo superadas.

10° ponto
O foco do debate, então, não pode se restringir a um jogo ou uma série de TV, mas deve ser, por exemplo, a atuação da Depressão sobre a vida dos jovens influenciados por ela. Esta sim deve estar também no centro do debate, pois ela é uma doença que se aproveita do silêncio em torno dela, que se alimenta da desinformação a seu respeito, que tira proveito do preconceito que envolve a aceitação da sua presença. Silêncio, Desinformação, Preconceito, são todos aliados da Depressão, que dificultam o tratamento e a cura.

11° ponto
Talvez este seja um momento importante para que as famílias possam conversar mais com seus filhos. Não apenas sobre dores, sofrimentos, depressão e suicídios - o que é importante também, mas especialmente sobre coisas banais, pequenas situações do cotidiano, sobre interesses em comum, filmes, comida, futebol, seja lá o que for. Uma oportunidade para resgatar diálogos que naturalmente se enfraquecem durante o período da adolescência.

12° ponto
É o momento também para se perder o medo de se falar sobre o suicídio, para debatermos sobre os fatores de risco que envolvem o suicídio, para falarmos sobre a importância de pedir ajuda, para descartar a velha mentalidade de que “terapia é coisa pra gente louca”. Loucura mesmo é não estar bem e não pedir ajuda.

13° ponto
Quando alguém tira a própria vida, muitas vezes não o faz porque não ama a sua vida. É porque ama tanto a vida, que não quer mais conviver com o problema que lhe impede de viver a vida que ama. Se esta pessoa tiver a possibilidade de conversar sobre este problema que lhe perturba, ela poderá ter a chance de reescrever sua vida, de mudar a trama, de adicionar capítulos novos à sua história, de pegar de volta a vida em suas mãos. Que toda essa onda de baleia azul sirva ao menos para isso: despertar as pessoas para as possibilidades da Vida!

João David Cavallazzi Mendonça

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Para além do Não

Esta semana recebi de vários amigos um vídeo intitulado “Vitamina N” (N de “não”), com uma fala de um psicólogo americano (John Rosemond) conclamando os pais a dizerem mais "não" do que "sim" para seus filhos, e questionando se nossos filhos estão recebendo “doses suficientes de vitamina N”.

Imagino que ninguém duvide da importância de ensinar os filhos a ouvir um "não" e de efetivamente dizer-lhes “não” quando preciso for.

O “não” na educação da crianças é estruturante de sua personalidade, e as ajudará a lidar com as frustrações que surgirão no decorrer de sua vida.

Neste sentido, o video ajuda a nos lembrar disto. E acho que por isso mesmo ele vai sendo replicado e compartilhado por pais e mães bem intencionados e desejosos em aprimorar sua maneira de educar seus filhos.

Mas lamento que o video tenha ficado apenas na ênfase do “não”.

Confesso a vocês que, na minha posição de educador, psicólogo e pai, tenho muita dificuldade em me identificar com este discurso que enfatiza o “não”, ao invés de enfatizar o afeto e a percepção das necessidades das crianças. Esta ênfase no “não” passa a ideia de que o grande problema das crianças atualmente é que não lhe disseram "não" o suficiente. O que, para mim, é uma compreensão muito rasa, que desconsidera a complexidade das relações familiares e sociais.

O que tenho visto é que muitos pais, com medo de criar um filho “mimado”, se vêem na obrigação de dizer “não”, mesmo quando seria possível dizer sim. Parece que a paternidade virou uma competição do tipo “quem manda mais”. “Ele tem que aprender a me obedecer”. “É não e pronto”.

Já vi pais tratando filhos com rigidez, com críticas excessivas, com inflexibilidade, com intolerância a mínimos erros. Já presenciei cenas de mães sendo estúpidas com suas crianças porque elas estavam sendo… crianças. Já observei pais com um nível de cobrança e exigência pesado sobre a criança, pais que não dão espaço pros erros que fazem parte do desenvolvimento de qualquer ser humano. Já presenciei pais e mães puxando orelhas, dando beliscões, batendo na bunda, ameaçando com chinelos, tudo em nome da “boa educação”.

E para mim, inflexibilidade, rigidez, intolerância, excesso de crítica, agressividade, são tão prejudiciais quanto deixar de dizer “não” quando necessário.

O próprio John Rosemond, autor do video, infelizmente é adepto da ideia de que “bater numa criança pode ser efetivo, e não lhe é prejudicial” (ele escreveu isto num texto de 2014 intitulado "Spanking is not a clear cut issue for every parent").

Uma pena também que o vídeo traga algumas ideias clichês, que são aceitas como verdade sem muita reflexão crítica: por exemplo, a ideia de que a saúde mental das crianças dos anos 50 era melhor que as de hoje porque elas tinham menos coisas, ou ainda a crença de que a falta de “não” fez com que as taxas de depressão em crianças e adolescentes disparassem nas últimas décadas.

Enfim, acho que a tal Vitamina N (de Não) só terá efeito real se vier acompanhada da Vitamina S (de Sim), da Vitamina A (de Afeto), da Vitamina P (de Presença), da Vitamina R (de Respeito). O "não" só vai funcionar se vier dentro de um conjunto vitamínico que engloba toda a complexidade da relação entre pais e filhos.

De minha parte, com todo o respeito ao meu xará John, eu continuarei dizendo SIM pros meus filhos, muito mais do que "não". Direi SIM pras necessidades deles, pra ficar no meu colo, pra dormir na minha cama quando estiverem com medo, pra poder ter brinquedos legais, e até de quebrar alguns deles de vez em quando - sim, acontece com qualquer criança.

E sempre que for preciso, também receberão um "não".