sábado, 23 de julho de 2011

Eric Clapton e a vitória sobre a dependência

No clima triste de hoje, em que testemunhamos um grande talento musical ser derrotado pelo consumo de drogas e álcool, quero sugerir a leitura da biografia de Eric Clapton.

No caso de Clapton, felizmente a derrota ficou do outro lado. O livro nos proporciona, além de uma viagem pelos caminhos do rock, uma história de luta, superação e recuperação diante das forças da dependência química.

Capa do livro
Trecho do livro autobiográfico de Eric Clapton.

Certo dia, quando minha internação estava chegando ao fim, o pânico me atingiu, e percebi que de fato nada havia mudado em mim, e eu estava voltando ao mundo mais uma vez completamente desprotegido. O ruído em minha mente era ensurdecedor, e a bebida estava em meus pensamentos o tempo todo. Fiquei chocado ao perceber que estava em um centro de tratamento, um ambiente supostamente seguro, e estava em sério perigo.

Naquele momento, quase que por si mesmas, minhas pernas cederam, e caí de joelhos. Na privacidade de meu quarto, implorei por socorro. Eu não atinava com quem estava falando, sabia apenas que havia chegado ao meu limite, não me restava mais nada para lutar. Então lembrei do que tinha ouvido falar sobre rendição, algo que pensei que jamais conseguiria fazer, que meu orgulho simplesmente não permitiria, mas entendi que sozinho eu não teria sucesso, por isso pedi socorro e, caindo de joelhos, me rendi.

Em poucos dias percebi que havia acontecido alguma coisa comigo. Um ateísta provavelmente diria que foi apenas uma mudança de atitude, e em certa medida é verdade, mas foi muito mais que isso. Encontrei um lugar a que recorrer, um lugar que sempre soube que estava ali, mas em que nunca realmente quis ou precisei acreditar. Daquele dia até hoje, jamais deixei de rezar de manhã, de joelhos, pedindo ajuda, e à noite para expressar gratidão por minha vida e, acima de tudo, por minha sobriedade. Prefiro me ajoelhar porque sinto que preciso ser humilde quando rezo e, com meu ego, isso é o máximo que posso fazer.

Se você está perguntando por que faço tudo isso, vou dizer... porque funciona, simples assim. Em todo esse tempo em que estou sóbrio, nenhuma única vez pensei seriamente em tomar um drinque ou usar alguma droga. Não tenho problema com religião e cresci com uma forte curiosidade sobre modelos espirituais, mas minha busca afastou-me da igreja e da veneração em grupo rumo a uma jornada interior. Antes de minha recuperação ter início, encontrei meu Deus na música e nas artes, com escritores como Herman Hesse, e músicos como Muddy Waters, Howlin' Wolf e Little Walter. De algum jeito, de alguma forma, meu Deus sempre esteve ali, mas agora eu havia aprendido a falar com ele.
Eric Clapton, A Autobiografia (Editora Planeta), p.281.

E aqui mais um interessantíssimo texto extraído do livro:

[Clique na imagem para ampliar]

terça-feira, 19 de julho de 2011

Manifesto da Associação Mundial dos Problemas

Uma resposta à Conferência Internacional de Terapia Narrativa e Trabalho Comunitário

(A "Associação Mundial dos Problemas" é uma instituição que reúne os problemas em atividade no mundo, como uma maneira de manter sua força e influência sobre as pessoas e comunidades.)

Nós, os problemas membros desta Associação, decidimos aderir a este manifesto para expressar nosso desagrado sobre tudo o que aconteceu durante a 10a. Conferência Internacional de Terapia Narrativa e Trabalho Comunitário, realizada neste mês em Salvador.

Como uma associação que reúne os problemas que afetam pessoas em todo o mundo, não nos agradamos da forma como fomos tratados neste Congresso.

Manifestamos nossa preocupação com as Práticas Narrativas, e como elas têm constantemente prejudicado o nosso intenso trabalho com as pessoas, famílias e comunidades mundo afora.

Nós não gostamos de práticas que levam as pessoas a tomar iniciativas para alcançar modos de vida preferíveis.

Nós não gostamos quando aqueles que estão sujeitos ao nosso controle começam a re-escrever as suas histórias.

Nós não gostamos quando as comunidades começam a levantar suas cabeças acima das nuvens.

Nós não gostamos quando as práticas narrativas são levadas para os locais de trabalho, escolas, ou qualquer outro lugar.

Nós não gostamos quando as famílias, incluindo seus filhos, pais, mães, ou qualquer outra pessoa, passam a descobrir e dar a atenção sobre o que ou quem eles valorizam em suas vidas.

Nós não gostamos de muitas das perguntas que os terapeutas narrativos fazem para as pessoas, que contribuem para dar-lhes um novo senso de identidade.

Tudo isso nos enfraquece e amplifica nosso sentimento de derrota, o que definitivamente não é nada bom para os nossos planos opressivos.

Portanto, nós declaramos que esta Conferência trouxe um efeito desanimador para todos os nossos associados em todo o mundo, e esperamos sinceramente que reuniões como esta não aconteçam jamais.

Assinado por
Problemas unidos contra a Vida


[Escrito por João David Mendonça, baseado no trabalho de David Epston, Michael White e muitos outros terapeutas narrativos]

To read the English version, click here.

Manifesto from the World Problems Association

A response to the Narrative Therapy and Community Work Conference

(The "World Problems Association" is an institution that brings together the most active problems in the world, as a way to keep their strength and influence upon people and communities.)


We, problems members of this Association, decided to join this manifesto to express our disgust about everything that happened during the 10th International Narrative Therapy and Community Work Conference.

As an association that gathers problems that affect people all over the world, we did not like the way we were treated in this Congress.

We express our concern with the Narrative Practices as they have consistently undermined our intensive work with people, families and communities all over the world.

We do not like practices that lead people to take initiatives to achieve preferred modes of living.

We do not like when those who are subject to our control are beginning to re-write their stories.

We do not like when communities begin to lift their heads above the clouds.

We do not like when the narrative practices are brought to the workplace or schools, or any other place.

We do not like when families, including their children, fathers, mothers, or anyone else begin to discover and give attention about what or whom they value in their lives.

We do not like many of the questions that narrative therapists do to people, that contributes to give them a new sense of identity.

All of this makes us weak and amplifies our sense of defeat, which is definitely not good for our oppressive plans.

Therefore, we declare that this Conference was very disheartening for all of our associates all around the world, and we sincerely hope that meetings like this do not happen anymore.

Signed by
Problems joined against Life


[Written by João David Mendonça, inspired by the work of David Epston, Michael White, and many others narrative therapists)

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Sabedoria

- Mestre, como faço para me tornar um sábio?
- Boas escolhas.
- Mas como fazer boas escolhas?
- Experiência.
- E como adquirir experiência, mestre?
- Más escolhas.


[Extraído de algum lugar da internet]

quarta-feira, 6 de julho de 2011

O amor bom é facinho

[Por IVAN MARTINS]     [Fonte: Revista Época ]
Por que as pessoas valorizam o esforço e a sedução?

Há conversas que nunca terminam e dúvidas que jamais desaparecem. Sobre a melhor maneira de iniciar uma relação, por exemplo. Muita gente acredita que aquilo que se ganha com facilidade se perde do mesmo jeito. Acham que as relações que exigem esforço têm mais valor. Mulheres difíceis de conquistar, homens difíceis de manter, namoros que dão trabalho - esses tendem a ser mais importantes e duradouros. Mas será verdade?

Eu suspeito que não.

Acho que somos ensinados a subestimar quem gosta de nós. Se a garota na mesa ao lado sorri em nossa direção, começamos a reparar nos seus defeitos. Se a pessoa fosse realmente bacana não me daria bola assim de graça. Se ela não resiste aos meus escassos encantos é uma mulher fácil – e mulheres fáceis não valem nada, certo? O nome disso, damas e cavalheiros, é baixa auto-estima: não entro em clube que me queira como sócio. É engraçado, mas dói.

Também somos educados para o sacrifício. Aquilo que ganhamos sem suor não tem valor. Somos uma sociedade de lutadores, não somos? Temos de nos esforçar para obter recompensas. As coisas que realmente valem a pena são obtidas à duras penas. E por aí vai. De tanto ouvir essa conversa - na escola, no esporte, no escritório - levamos seus pressupostos para a vida afetiva. Acabamos acreditando que também no terreno do afeto deveríamos ser capazes de lutar, sofrer e triunfar. Precisamos de conquistas épicas para contar no jantar de domingo. Se for fácil demais, não vale. Amor assim não tem graça, diz um amigo meu. Será mesmo?

Minha experiência sugere o contrário.

Desde a adolescência, e no transcorrer da vida adulta, todas as mulheres importantes me caíram do céu. A moça que vomitou no meu pé na festa do centro acadêmico e me levou para dormir na sala da casa dela. Casamos. A garota de olhos tristes que eu conheci na porta do cinema e meia hora depois tomava o meu sorvete. Quase casamos? A mulher cujo nome eu perguntei na lanchonete do trabalho e 24 horas depois me chamou para uma festa. A menina do interior que resolveu dançar comigo num impulso. Nenhuma delas foi seduzida, conquistada ou convencida a gostar de mim. Elas tomaram a iniciativa – ou retribuíram sem hesitar a atenção que eu dei a elas.

Toda vez que eu insisti com quem não estava interessada deu errado. Toda vez que tentei escalar o muro da indiferença foi inútil. Ou descobri que do outro lado não havia nada. Na minha experiência, amor é um território em que coragem e a iniciativa são premiadas, mas empenho, persistência e determinação nunca trouxeram resultado.

Relato essa experiência para discutir uma questão que me parece da maior gravidade: o quanto deveríamos insistir em obter a atenção de uma pessoa que não parece retribuir os nossos sentimentos?

Quem está emocionalmente disponível lida com esse tipo de dilema o tempo todo. Você conhece a figura, acha bacana, liga uns dias depois e ela não atende e nem liga de volta. O que fazer? Você sai com a pessoa, acha ela o máximo, tenta um segundo encontro e ela reluta em marcar a data. Como proceder a partir daí? Você começou uma relação, está se apaixonando, mas a outra parte, um belo dia, deixa de retornar seus telefonemas. O que se faz? Você está apaixonado ou apaixonada, levou um pé na bunda e mal consegue respirar. É o caso de tentar reconquistar ou seria melhor proteger-se e ajudar o sentimento a morrer?

Todas essas situações conduzem à mesma escolha: insistir ou desistir?

Quem acha que o amor é um campo de batalha geralmente opta pela insistência. Quem acha que ele é uma ocorrência espontânea tende a escolher a desistência (embora isso pareça feio). Na prática, como não temos 100% de certeza sobre as coisas, e como não nos controlamos 100%, oscilamos entre uma e outra posição, ao sabor das circunstâncias e do tamanho do envolvimento. Mas a maioria de nós, mesmo de forma inconsciente, traça um limite para o quanto se empenhar (ou rastejar) num caso desses. Quem não tem limites sofre além da conta – e frequentemente faz papel de bobo, com resultados pífios.

Uma das minhas teorias favoritas é que mesmo que a pessoa ceda a um assédio longo e custoso a relação estará envenenada. Pela simples razão de que ninguém é esnobado por muito tempo ou de forma muito ostensiva sem desenvolver ressentimentos. E ressentimentos não se dissipam. Eles ficam e cobram um preço. Cedo ou tarde a conta chega. E o tipo de personalidade que insiste demais numa conquista pode estar movida por motivos errados: o interesse é pela pessoa ou pela dificuldade? É um caso de amor ou de amor próprio?

Ser amado de graça, por outro lado, não tem preço. É a homenagem mais bacana que uma pessoa pode nos fazer. Você está ali, na vida (no trabalho, na balada, nas férias, no churrasco, na casa do amigo) e a pessoa simplesmente gosta de você. Ou você se aproxima com uma conversa fiada e ela recebe esse gesto de braços abertos. O que pode ser melhor do que isso? O que pode ser melhor do que ser gostado por aquilo que se é – sem truques, sem jogos de sedução, sem premeditações? Neste momento eu não consigo me lembrar de nada.