quarta-feira, 16 de junho de 2010

Como sobreviver à própria família



Reproduzo abaixo a Introdução deste excelente livro do terapeuta familiar Mony Elkaim.


Quem nunca se sentiu, em algum momento, preso na própria família? Quem nunca teve a impressão de ser esmagado por uma realidade sobre a qual não podia influir? Desejo que esta obra esclareça essas situações familiares, que todos conhecemos, com uma luz diferente da que estamos acostumados. Na maioria das vezes, não é a realidade em si que nos prepara uma armadilha e sim uma representação dessa realidade construída com o passar dos anos e dos acontecimentos. Como vamos ver, cada um desempenha um papel bem específico no roteiro familiar e a distribuição desses papéis, em geral, é feita à revelia de todos. A armadilha se fecha, um sistema rígido se instala e todos se sentem prisioneiros. Alguns membros da família sofrem, sintomas aparecem...


Ao descrever e comentar as situações, das quais a maior parte diz respeito à nossa vida cotidiana, tentei oferecer ao leitor uma forma de perceber o que lhe acontece; tentei mostrar de que maneira participa delas sem querer, e como, para sair desse círculo vicioso no qual está preso com os parentes, ele pode conseguir delimitar o seu território, fazendo com que seja respeitado pelas pessoas que o cercam - sem provocar hostilidade, mas, ao contrário, conseguir aliados e não adversários.

Sobreviver à própria família passa a ser, então, sobreviver à idéia que fazemos dela. Como os membros da minha família, a cultura na qual cresci, meus relacionamentos sociais, a mídia, me constroem, me esculpem, limitando a minha capacidade de mudança ou de adaptação? Por que me sinto preso na minha realidade familiar? Será que não participo, contra a minha vontade, da escultura de uma situação que, forçosamente, é mútua?

Desde o meu nascimento, estou preso num contexto: a maneira como fui esperado, olhado, o nome que recebi e muitos outros elementos constituem um ambiente de regras e mitos, criado e compartilhado entre os membros da família, cuja coesão e permanência ela garante. Desde que cheguei ao mundo, participo desse universo cuja estrutura também manterei. À medida que vou crescendo, os mitos e as regras da minha família não poderão mais ser diferenciados da maneira como eu os percebo e como me situo em relação a eles. A partir de então, torno-me ator da peça que representamos juntos: como vou me dar o direito de ser suficientemente "desleal" em relação àqueles que me cercam, ou à imagem que tenho deles, para ver minha família de um modo diferente do que eles a vêem - de um modo diferente do que eu também a vejo? Como abrir caminho fora das rotinas repetitivas e aparentemente inevitáveis nas quais nos atolamos de comum acordo?

Essas são as perguntas às quais este livro se esforça para responder. Evitando longas elaborações teóricas, me esforcei para comentar casos concretos e mostrar o ensinamento que podemos tirar deles.

Aqui vão algumas explicações. Em primeiro lugar, foi impossível ser exaustivo. Diante da imensa e complexa paisagem das situações familiares, precisei fazer uma escolha. Porém, como veremos, muitos dos princípios evidenciados num caso também valem para outros e trata-se mais de compreender a natureza do que podemos fazer e não de aplicar receitas mecanicamente. Em segundo lugar, esses princípios, válidos na maioria das situações da vida cotidiana, não funcionam da mesma maneira em contextos de abuso e violência em que devemos, antes de tudo, nos proteger, nem em casos graves em que uma ajuda medicamentosa e, se necessário, uma hospitalização devem completar a psicoterapia. Finalmente, eles não são dirigidos especificamente aos filhos, nem aos pais, pois todos estamos envolvidos em relações cujas tensões incessantes só poderemos evitar se aceitarmos reconhecer o papel que nós mesmos desempenhamos nelas. Como este livro vai mostrar, assim espero, é a conquista da nossa capacidade em modificar as regras do sistema em que vivemos que permitirá a todos os membros da família terem acesso à mudança. Assim é que os vínculos que me unem aos outros, lugares e causas do meu sofrimento, podem ser os próprios caminhos da minha libertação e da deles.

Mony Elkaim
Como Sobreviver à própria família
São Paulo: Integrare Editora, 2008





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