quinta-feira, 17 de junho de 2010

Conversando sobre a morte

Certa manhã, quando eu estava ainda no início de minha vida profissional, fui chamado ao telefone. Do outro lado da linha uma pessoa solicitava ajuda terapêutica para lidar com o luto de seu filho que acabara de falecer.

Num primeiro instante, a possibilidade e o desejo de aprender mais se confundiam com os temores advindos da responsabilidade de poder ajudar uma família que estava passando por uma experiência tão difícil e delicada, como a morte de um filho.

Pude perceber que os sentimentos evocados em mim naquele momento eram também um reflexo de como a sociedade lida com o tema da morte. Os temores, as angústias, os receios, os medos, a falta de respostas, a ausência de palavras, a busca de explicações, a sensação de impotência, todo este “arsenal de sentimentos” faria parte, a partir de então, de uma longa jornada de luto ao lado de meu cliente.

Para todos nós, a experiência da morte é vivenciada como um momento de grande sofrimento, em que vem à tona uma gama de sentimentos como incredulidade, espanto, raiva, tristeza, pesar, desconsolo, impotência, vazio interior, futilidade, ansiedade, desespero, indignação. 

A perda de um ente querido modifica a estrutura familiar, e geralmente requer a reorganização do sistema como um todo. Portanto, é uma experiência que impõe desafios adaptativos para a família e cada um de seus membros individualmente. O luto, então, é visto como este período necessário, para recolocar em ordem a vida e reorganizar o sistema familiar.

Entretanto, tal reorganização não significa uma resolução, no sentido de aceitação completa e definitiva da perda, mas envolve a descoberta de maneiras de assimilá-la e seguir em frente com a vida. 

Talvez, um dos aspectos mais difíceis para a família no tempo de luto seja a comunicação intra-familiar, ou seja, a possibilidade de compartilhar abertamente sobre a experiência da morte. 

A dificuldade vem pelo fato de que a vivência familiar do luto, e a dor advinda desta vivência, muitas vezes acionam nos membros da família o desejo de proteger o outro membro de seu sofrimento, bem como proteger a si mesmo da ansiedade de ver o outro sofrer. 

A “saída” para este dilema passa a ser o silêncio e a tentativa de ocultar as emoções e reações emocionais, evitando tocar no assunto da morte. Porém, os efeitos desta postura são contrários ao que se deseja, pois a comunicação familiar fica prejudicada, alimentando fantasias secretas, num ambiente em que todos sofrem em silêncio e escondidos. 

O desafio então é buscar obter algum controle sobre suas próprias reações à ansiedade do outro, para abrir a possibilidade de se conversar sobre a morte e sobre a dor experimentada por cada um. Assim, neste sistema de relacionamento aberto, o indivíduo está livre para comunicar ao outro seus pensamentos internos, sentimentos, angústias e fantasias, possibilitando a construção de um ambiente propício a descobertas de novos caminhos para a reorganização familiar.

O processo de luto pode durar anos, durante os quais cada evento, estação, feriado e aniversário acionarão novamente a antiga sensação de perda. Enquanto este processo continua, a família vai se ajustando à ausência de seu membro morto. Os papéis e as tarefas são redistribuídos, novos relacionamentos são formados e as antigas alianças são transformadas. 

Eventualmente, chega um momento em que a maioria das famílias consegue, de forma geral, assimilar sua perda, embora o luto nunca seja totalmente terminado. Sempre haverá eventos que evocam lembranças da pessoa perdida, mas, com o tempo e a cicatrização, a dor se torna menos crua e intensa, liberando energia para outros relacionamentos e possibilitando a re-incorporação da pessoa que morreu sob uma nova perspectiva na história familiar. Afinal, quando um membro da família morre, o relacionamento com esse membro não morre, nem tampouco a sua história.

Lidar com a morte e o luto envolve um processo, sem fórmulas mágicas e prontas. Cada experiência de perda é única, assim como são únicos os passos e desafios necessários para a elaboração de cada uma destas experiências. É uma jornada caracterizada por uma complexidade emocional e relacional, que nos remete à finitude da existência humana, e nos convida a posicionar a morte como parte inexorável da vida. 


BIBLIOGRAFIA:

BOWEN, Murray. A reação da família à morte. In WALSH, Froma. & MC. GOLDRICK, Monica. Morte na família: sobrevivendo às perdas. Porto Alegre: ArtMed, 1998.
WHITE, Michael. “Saying hullo again: the incorporation of the lost relationship in the resolution of grief”. In Selected Papers. Adelaide, Australia: Dulwich Centre Publications, 1988.

Um comentário:

Anônimo disse...

realmente este artigo ou estudo é puramente o que ocorre com as famílias enlutadas, ldemorei 19 anos para de fato enterrar meu irmão, hj já faz 25 anos de sua morte, e poso garantir que minhas irmãs ainda não superaram essa perda. Mesmo sendo um processo lento e doloroso que destrói toda uma familia, eu procurei o auxilio de profissionais para essa superação, hoje sou uma pessoa liberta de todos os meus medos, dor, tristeza, angustias.... è claro que em alguns momentos da minha vida sinto sua falta, é normal, afinal foi uma vida inteira transformada.
abs, keka