quarta-feira, 9 de junho de 2010

Encontro de gerações

A família é um sistema dinâmico e relacional, em que várias pessoas compartilham experiências entre si, ao mesmo tempo em que vivem, individualmente, experiências diferentes. Ou seja, numa mesma família, numa mesma circunstância, cada membro está vivenciando algum momento específico e único de sua existência. 

Para exemplificar, vamos pensar numa família em que acabou de ocorrer o nascimento do segundo filho. A criança que acabou de nascer está vivendo sua primeira infância. O seu irmão mais velho, de 13 anos, começa a experimentar o desafio de sair de sua própria infância e entrar num mundo novo de novas descobertas: a adolescência.

Os pais que, até então, eram pais de filho pequeno, agora passam a ser pais de filho adolescente e têm que lidar com as suas demandas emocionais e sociais, ao mesmo tempo em que, com o nascimento do bebê, voltam a re-experimentar o gosto de serem pais de um recém-nascido. 

Além disso, esses mesmos pais também são filhos, pois ainda se relacionam com seus próprios pais, visitando-os regularmente, e tendo uma convivência de proximidade com eles. Estes, por sua vez, estão vivenciando neste momento a experiência de serem avós pela segunda vez, mas pela primeira vez serão avós de um neto adolescente. E é melhor parar por aqui senão vai ficar cada vez mais complicado de entender.

Este exemplo, se não deu um nó na cabeça do leitor, pode ajudar a entender o que estou querendo dizer com “sistema dinâmico e relacional”.

A família, então, pode ser vista como um sistema que se move através do tempo, em que a cada estágio do ciclo de vida, os papéis e funções de cada membro vão se configurando, e se modificando, formando uma espiral trans-geracional, com filhos, pais, avós, às vezes bisavós, todos mergulhados numa complexa teia de relações.

Quando pensamos nos relacionamentos entre as gerações, temos que nos lembrar desta dinâmica, para não perdermos de vista esta complexidade que envolve a família e seus relacionamentos.

Quando pessoas de diferentes gerações se relacionam entre si, é natural que as diferenças de idéias, pensamentos, valores, comportamentos, venham a aparecer. Tais diferenças geram conflitos. E muitas vezes não há como evitar o conflito entre estas gerações. Entretanto, o conflito no convívio familiar também pode ser compreendido como uma crise saudável, capaz de proporcionar crescimento. É no conflito que também novas formas de pensar e  agir podem surgir, ampliando a experiência familiar.

Se o conflito é muitas vezes inevitável, então qual é a alternativa que temos? De que outras maneiras o conflito pode ser vivido, sem que ele se eternize, e passe a dominar a vida da família, como um ditador que não permite que seus membros vivam em paz? Quais os desafios enfrentados pelas famílias de hoje, para que possam lidar, de maneira menos conflituosa, com as diferenças entre as gerações? 

Sem acreditar em respostas simples, nem em fórmulas mágicas, quero sugerir três posturas que podem ser exercitadas e buscadas no contexto familiar:

Negociação. É importante que a família exercite a capacidade de negociar conflitos, com respeito mútuo pelas diferenças de cada um. Numa família, os diferentes momentos do ciclo de vida pelos quais passa cada membro fazem com que as necessidades sejam diferentes. Além disso, a visão de mundo, a linguagem, as experiências, tudo isto vai mudando na medida em que novas situações emergem na história da família. Isto requer de cada membro a possibilidade de permitir que opiniões divergentes possam ser manifestadas e as regras vigentes negociadas.

Flexibilidade. Em cada família há determinadas regras, as quais funcionam bem em determinados momentos. Porém, outros contextos podem exigir uma reavaliação destas regras. A capacidade da família de ser flexível diante de situações novas pode facilitar a boa convivência entre as gerações, na medida em que permite ajustar-se às mudanças de maneira mais maleável. Famílias em que há uma rigidez muito forte tendem a ter mais dificuldades de adaptação a uma nova situação, elevando os níveis de stress e conflitos entre seus membros.

Estabelecimento de fronteiras e funções. O medo de repetir o padrão antigo de autoritarismo e intolerância dentro das famílias empurrou a família moderna a um outro extremo, em que se perdeu a possibilidade de estabelecer limites e hierarquias que possam ajudar a família a exercer em seus membros um papel formador e estruturante. Em alguns ambientes familiares será necessário resgatar estes papéis, incluindo os direitos, deveres e as limitações próprias de cada função, de maneira que esteja claro para cada membro da família qual é o lugar de cada um neste sistema. Filhos são filhos, pais são pais, e avós são avós.

Estamos falando bastante sobre os conflitos nos relacionamentos entre as diferentes gerações, mas não podemos deixar também de falar das grandes oportunidades contidas nestas relações. Nem só de conflitos vivem as gerações. Há também aprendizado. Pais, filhos, e avós podem sim, experimentar um convívio de troca recíproca, na medida em que tomam consciência de suas diferenças, de suas limitações e de suas funções na família. 

Em um ambiente de negociação, flexibilidade, fronteiras claras e compreensão mútua é possível fazer da família um espaço de crescimento individual, de construção da identidade, e de diferenciação pessoal, enquanto as gerações vão se movendo através da vida. 

Penso que um dos desafios da família na atualidade consiste em tentar descobrir formas de diminuir as tensões existentes entre as gerações. Não se pode eliminar totalmente o conflito – ele é inevitável e faz parte do desenvolvimento familiar. Tampouco se deve negá-lo, como se num passe de mágica ele fosse deixar de existir. Mas talvez seja possível transformar o conflito em uma oportunidade de confluência, um ponto de encontro, e não desencontro, das distintas gerações.

BIBLIOGRAFIA:
Andolfi M., Angelo C., Menghi P. & Nicolo-Corigliano A.M. – Por trás da máscara familiar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.
Bowen Murray. De la familia al individuo. Barcelona, Paidós, 1991.
Carter, B.; McGoldrick, M. As mudanças do ciclo de vida familiar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

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